terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Depois de vencer ceticismo de professores da Educação Básica, Rodrigo Brasil que tem autismo, se formou em Letras e hoje faz pós-graduação em Estudos de Tradução

Professor de matemática, Mendes costumava dar aulas particulares em casa. Algumas vezes, com o filho Rodrigo, de pouco mais de dois anos, sentado no colo. Foi no aconchego paterno que se revelaram os primeiros sintomas. O menino passou mal, teve uma convulsão. Era o primeiro sinal do diagnóstico, que viria só anos depois, de uma síndrome de nome complicado: autismo do subtipo Asperger.
Rodrigo Bertschinger Brasil, agora com 25 anos, nasceu rodeado por professores. A avó, Maria da Glória Brasil, dava aulas de biologia, o pai, Eumendes Brasil, conhecido como Mendes, é professor de matemática, e a mãe, Rejane Beatriz Bertschinger Brasil, também.
Acostumado a observar seus alunos com atenção, Mendes estranhava detalhes no desenvolvimento do filho. O ato de engatinhar e os primeiros passos vieram depois de outras crianças da mesma idade. O bê-a-bá também demorou a sair.
Diante de uma imensidão de prognósticos confusos de especialistas, a avó Maria da Glória agiu por conta própria. Resolveu testar a atenção do menino do jeito que podia. Começou mostrando rótulos de bolacha e de café na cozinha. Lia as palavras para ele e, depois, separava as sílabas. Aos cinco anos, o teste deu resultado: Rodrigo começou a ler.
— Teu filho está lendo — contou a avó.
— Não brinca comigo — espantou-se a mãe.
Maria da Glória colocou um livro de biologia nas mãos do menino. Da voz fina de criança, foi possível ouvir informações sobre a estrutura dos protozoários.
Dificuldades motoras ainda o impossibilitavam de segurar com firmeza o lápis para escrever. O diagnóstico era nebuloso e havia apenas a recomendação de estimulá-lo o máximo possível.
Entre idas e vindas, a família chegou a ouvir que deveria matricular Rodrigo em uma escola especial. Acostumados à sala de aula, Mendes e Rejane foram contra. Começaram ali a enfrentar uma odisseia para que o filho tivesse o direito de estudar. 
No primeiro colégio, tradicional, o engajamento das professoras para que o menino se sentisse parte das turmas e para que os conteúdos fossem adaptados ao ritmo dele foram responsáveis por duas grandes conquistas. É dessa época que vieram a maior parte dos amigos. Em uma avaliação de inglês na 5ª série, uma surpresa:
- Eu nem sabia que levava jeito para a coisa. Mas aí fiz o teste e fiquei entre os mais avançados — conta Rodrigo, que hoje faz pós-graduação em Estudos de Tradução na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). 
Os anos seguintes comprovaram que o baixo rendimento nas demais disciplinas era compensado pela facilidade na língua inglesa. O Asperger, subtipo do autismo de Rodrigo, preserva a inteligência e, muitas vezes, faz com que a pessoa tenha uma enorme habilidade em alguma área do conhecimento. 
Nesses casos, a dificuldade maior não é cognitiva, mas nas relações sociais. Como muitos guris, a paixão de Rodrigo por videogames e cinema o ajudou a aperfeiçoar os conhecimentos e ganhar vocabulário. Então o Ensino Fundamental acabou, e era preciso buscar outra escola em inglês. 
Rejane fez um pente fino nas instituições da Capital. Uma era longe demais, a outra não aceitaria o menino e uma terceira exigia um teste de nivelamento. Em uma delas, chegou a ouvir que ali ele seria o melhor. Rejane queria ver o filho feliz, não almejava uma posição entre os melhores. Então desistiu da instituição. 
Depois de muita procura, o casal encontrou um colégio. Já na primeira reunião, o pai estremeceu ao ouvir o discurso do professor de física, engajado em aprovar o maior número de alunos no vestibular.
 — Ele falava como o Rambo: quem não estiver pronto, tá fora — lembra Mendes. 
Para os novos padrões, Rodrigo não estava pronto. Acabou reprovado no 1º ano do Ensino Médio. Veio mais uma escola, desta vez inclusiva, e o adolescente terminou a Educação Básica.
 O desafio de Mendes e Rejane recomeçou. Agora, em busca de uma universidade que lapidasse as habilidades de Rodrigo em inglês. O garoto chegou a prestar o vestibular da UFRGS, alcançou uma média satisfatória, mas não foi chamado. Então os pais chegaram ao Centro Universitário Metodista do IPA depois de ouvir falar que a instituição estava aberta à inclusão. 
O primeiro semestre na licenciatura em Letras foi desafiador — para Rodrigo, para seus pais e para a faculdade. O foco na formação de professores e o desejo do garoto de ser tradutor tornaram-se um impasse. Depois de inúmeras reuniões, com a ajuda de uma psicopedagoga contratada pelos pais, chegaram a um modelo viável. Anos depois, o menino que recebeu indicações para ingressar em uma escola especial vestia toga e sorria na foto da formatura. 
Rodrigo gosta de traduzir porque entende que, assim, ajuda quem não domina o inglês. Gosta de ser útil para os outros: 
— Eu quero ser um tradutor, acho que é algo que eu consigo fazer bem. É um plano para o futuro, acho que vai dar certo. Como diz meu pai, e sem correr o risco de plagiá-lo: o importante não é tentar tirar a nota máxima, é só fazer o melhor para conseguir passar de forma satisfatória. 
Ele tem aulas semanais na PUCRS e tem vencido cada módulo da pós-graduação. Na rotina, ainda há sessões na fonoaudióloga, na terapeuta ocupacional e aulas de taekwondo. O tempo que sobra é dividido entre videogames, cinema, internet e livros. Mas, cinema, apenas com pipoca: 
— Para mim, Deus criou as pipocas para serem comidas com o filme. 
A preferência é por filmes de ação e de luta. Mas faz questão de alertar que é uma pessoa pacífica. Nos videogames, gosta dos jogos que invertem a lógica e não têm "game over". Nesses, o que seria o fim da disputa é o momento em que os poderes aumentam. Fora das telas, Rodrigo tem, mesmo sem perceber, invertido a lógica imposta a muitos autistas.


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