Apresentação de ópera universitária teve quase 4 mil pessoas na plateia.
Saulo fez as provas orais do Enem e passou para a faculdade de música.
“Com 8, 9 meses de idade, eu já notava ele diferente. Ele chorava
demais. Aqueles choros lamentados, sem motivo aparente. Era
completamente isolado. Eu falava: 'Saulo, vem aqui com a mamãe'. E ele
continua gritando, chorando. Dois anos e meio, nós tivemos certeza que
ele era autista. Eu tenho um dia especial. Ele estava chorando demais, e
um dos meus filhos colocou uma música. Na mesma hora, ele parou. Ele
ficou parado. Aí eu pensei: ‘será que é por causa da música?’. Eu falei:
'Agora, ele pode me ouvir”, relembra Vanessa Pereira, mãe de Saulo.
Foi assim que a música mudou a vida de Saulo. Além de ter nascido com
autismo, ele também é cego, mas com um talento que se impôs diante de
todos os obstáculos.
Os primeiros cinco anos de vida foram muito difíceis. “Ele era tão
agressivo, tão violento. Pegava uma porta e batia. As portas caíam.
Pegava as panelas debaixo da pia e começava a bater. Bater, bater,
bater. Se a gente chegasse e tirasse, ele avançava violentamente”,
relembra a mãe.
A música trouxe calma. A mãe, segurança. “A música é a vida do Saulo. É
a música e dizer para ele: ‘eu vou te ensinar’, porque ele ama
aprender”, diz a mãe.
Na adolescência, Saulo aprendeu piano. “O professor disse para a gente:
‘Eu fico impressionado, porque um aluno normal demora um mês para
aprender o que ele aprende em uma aula’”, conta a mãe.
“Ele sabe que o dó é dó. Ele sabe que o sol é sol. É absoluto. Ele não
vai errar isso. Nunca”, afirma Andreia Adour, professora de música da
UFRJ.
Saulo tem o chamado 'ouvido absoluto'. Ele é capaz de identificar com
exatidão cada nota musical que escuta. E mais. “Ele repetia o som de uma
laranja caindo no chão. Uma vez, eu estava ouvindo um concerto de
Tchaikovsky e ele deitado perto de mim. De repente, ele fez um barulho e
eu pensei: ‘que som é esse que ele fez?’. Eu tinha o LP e voltei. Até
que eu consegui apurar que tinha uma nota, essa que ele falava no fundo
que tinha passado despercebido por mim e por uma grande parte de
pessoas, mas não passou despercebido por ele”, conta a mãe.
E a paixão pela música rompeu limites. Saulo foi alfabetizado em casa.
Em 2011, fez as provas orais do Enem e passou para a faculdade de música
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Fantástico: Foi uma decisão acertada da universidade quando resolveu aceitar o Saulo?
Professora: Sim, a universidade não só acertou em fazer a inclusão, como o Saulo é um dos melhores alunos da escola.
A voz aguda, característica dos tenores, levou o aluno ainda mais longe.
“Eu fiz uma audição para ser o ator principal dessa ópera. Eu estou interpretando o personagem chamado Lamberto”, conta Saulo.
Lamberto é o nome do protagonista da ópera italiana ‘O professor de música’, apresentada pelos alunos da faculdade.
“Na audição, nós tínhamos três candidatos, cantores, tenores. O Saulo
preencheu todos os requisitos. Ele tinha voz adequada ao estilo, ele era
o que estava mais bem preparado musicalmente: afinação correta, dicção,
a clareza rítmica. Então, não tivemos escolha: nós tínhamos que
escolher o Saulo”, conta Priscila Bonfim, diretora musical.
A participação de Saulo na ópera exigiu algumas adaptações, como a
comunicação com a orquestra. “Pedimos que ele fizesse as respirações e
ele desse os sinais para que a gente pudesse segui-lo”, diz Priscila
Bomfim, diretora musical.
E, nessa hora, o ouvido absoluto do Saulo faz diferença. “E, como ele
tem uma memória musical excepcional, então a gente convenciona antes. E
na hora sai tudo como combinamos”, diz Priscila.
“Em alguns autistas, você encontra uma memorização acima da média. E
essa memorização pode se dar ou no ponto de vista da matemática:
números, letras ou de música”, explica José Salomão Schwartzman,
neuropediatra.
Fantástico: O que, no início, era mais preocupação e medo, hoje é o quê?
Mãe: Prazer, alegria, satisfação, reconhecimento pelo esforço que ele tem feito para se superar.
A última apresentação foi para quase 4 mil pessoas. “A gente tinha que
descobrir só o que que a gente tinha que fazer. Mas ele foi quem nos deu
a luz do caminho, quando ele começou a se mostrar para a gente
interessado pelos sons, pela música”, conta a mãe.