Quando o assunto é super-herói, quais são os personagens que vêm a sua cabeça? Provavelmente nomes como Batman, Super-Homem, Homem-Aranha e Flash, certo? Para mudar esse cenário já conhecido pelo grande público, o norte-americano Chip Reece resolveu criar uma história com um protagonista inesperado: seu filho Ollie, de 3 anos, portador de síndrome de Down. E o que era para ser apenas uma homenagem tomou proporções muito maiores.Metaphase, como foi chamada, entrou para o ranking de quadrinhos gratuitos mais lidos do aplicativo Comixology entre maio e junho deste ano e tem previsão para ser lançada também em versão impressa.
“Originalmente, criar essa história tinha apenas uma intenção pessoal nascida das minhas experiências com meu filho. Eu acharia incrível se fosse além disso, mas entendia que era um universo novo para mim. Só depois de um tempo, quando conversei com o Peter Simeti, dono da Alterna Comics (editora independente de HQs), percebi que elas realmente tinham potencial para uma audiência maior”, disse o autor em entrevista a CRESCER.
O paralelo do menino com a figura do herói não foi difícil de ser construído. Além de ter que aprender a lidar com a síndrome de Down, Ollie teve que passar por três cirurgias delicadas em seus primeiros anos de vida graças a diferentes problemas congênitos no coração. “As chances sempre estiveram contra meu filho, mas ele nunca deixou de vencer. A principal intenção das histórias que escrevo é mostrar que pessoas com Down, como ele, podem nos inspirar, podem ser nossos heróis”, afirmou.
Ollie e seu pai, Chip Reece, autor de
"Metaphase" (Foto: Reprodução/Facebook)
Confira a entrevista na íntegra:
CRESCER: Vamos começar falando do Ollie. Qual foi sua reação quando descobriu que ele tinha síndrome de Down?
Chip Reece: Eu e minha mulher, Amy, lidamos bem com a notícia de que ele tinha síndrome de Dowm, mas ficamos assustados com os outros problemas de saúde que foram diagnosticados. Acho que o mais difícil foi entender que ele teria uma longa batalha pela frente com pouca garantia de sobrevivência. A única vantagem que tivemos foi ter descoberto essas condições meses antes de ele nascer, o que nos deu tempo para preparar os tratamentos.
C.: Com quais problemas de saúde ele nasceu?
C.R.: Ollie tem dois problemas congênitos no coração, por isso teve uma série de complicações e passou por três delicadas cirurgias. A primeira aconteceu quando ele tinha apenas 10 dias de vida. Foi uma operação que durou várias horas, algo muito grande para alguém que pesava menos de 3 kg. Ele passou os três meses seguintes em estado crítico no hospital lutando pela vida.
Ao mesmo tempo, as paredes do seu coração não estavam se fechando corretamente, fazendo com que o sangue fosse bombeado diretamente para os pulmões. Isso fez com que os pulmões ficassem molhados e pesados, tirando sua capacidade de respirar por conta própria e lentamente o “afogando” em seu próprio corpo. Foi nesse momento que a equipe do hospital resolveu fazer uma segunda cirurgia.
Depois, duas outras pequenas operações foram feitas, uma traqueostomia e uma colocação de tubo para alimentação. Ollie foi liberado depois de cinco meses e retornou uma semana depois de seu primeiro aniversário para consertar o outro defeito no coração. Desde então, ele também teve amígdalas e adenoides removidas para melhorar o funcionamento de suas vias aéreas (danificadas pela entubação precoce).
C.: Com quantos anos ele está hoje e como anda seu desenvolvimento?
C.R.: Celebramos seu terceiro aniversário em junho! Indivíduos com síndrome de Down geralmente têm baixo tônus muscular, o que torna o desenvolvimento físico um desafio. E Ollie estava ainda mais atrás por causa de seus problemas físicos. Ele tinha a mobilidade extremamente limitada, especialmente no primeiro ano de vida. A fisioterapia o ajudou muito nesse sentido. E meu filho tem uma atitude ótima, sempre cumpre suas tarefas e nunca desiste de nada. Três semanas atrás, ele deu os primeiros passos sozinho!
Em relação à fala, Ollie também teve um progresso limitado. Só recentemente ele conseguiu emitir alguns sons. Esse atraso foi causado por um acidente; ele teve um nervo da corda vocal esquerda decepado durante a primeira cirurgia. É uma complicação comum em cirurgias cardíacas. Sua corda vocal direita está começando a compensar a esquerda. Ele tem andado até meio barulhento nos últimos tempos. Está falando “mamãe” e “papai”! Fora isso, aprendeu uma boa quantidade de sinais da linguagem dos bebês e consegue se comunicar bem com a gente dessa maneira.
A paralisia de sua corda vocal também contribui para sua inabilidade em engolir comida. O corpo humano precisa das cordas vocais para que elas fechem as vias aéreas quando engolimos, senão a comida e a bebida podem ir pela via errada. Por isso, será um longo processo para o Ollie aprender a comer da maneira correta. Até lá, ele usa um tubo que permite que o alimento seja colocado diretamente em seu estômago.
C.: Qual é a história por trás de Metaphase? Quando você teve a ideia?
C.R.: A ideia veio durante a primeira hospitalização do meu filho. Imaginei-o como um super-herói, superando todas as adversidades, e me inspirei com aquilo. Com o passar do tempo, este virou um tema constante na vida dele. As chances sempre estiveram contra Ollie, e ele nunca deixou de vencer. Dois anos depois do nascimento, quando as coisas se acalmaram um pouco, finalmente consegui sentar e começar a trabalhar na ideia. No final de 2012, um artista já estava colocando tudo em prática.
C.: Por que o nome Metaphase?
C.R.: O nome se refere ao processo de adulteração de cromossomos que a empresa da história usa para dar poderes às pessoas. Os personagens são chamados de “metas”.
C.: O que você pretende publicando os quadrinhos? É uma intenção pessoal ou uma maneira de falar sobre a síndrome de Down com outras pessoas?
C.R.: Originalmente era mais pessoal, nasceu das minhas experiências com meu filho. Eu acharia incrível se fosse além disso, mas entendia que era um universo muito novo para mim. Foi só quando tive a oportunidade de conversar com o Peter Simeti, dono da Alterna Comics, que percebi que as histórias tinham potencial para atingir audiências maiores. Mas a intenção não mudou. Continua sendo mostrar ao mundo que pessoas com síndrome de Down podem nos inspirar e ser nossos heróis e àqueles que vivem com a condição que eles são super do jeito que são!
C.: Como você e o artista criaram a linguagem visual? Quais foram as referências?
C.R.: O importante para mim era que as pessoas olhassem para os quadrinhos e percebessem de cara que o personagem tem síndrome de Down. Para isso, dei fotos do meu filho para Kelly (Williams), o ilustrador, usar como referência.
C.: Qual é a ideia de crianças com síndrome de Down que você quer passar?
C.R.: Que elas são seres humanos incríveis, lindos e inspiradores!
C.: Qual resposta você tem recebido dos leitores? E o Ollie, já disse alguma coisa?
C.R.: O feedback tem sido muito positivo até agora. Ollie ainda não disse nada, mas ele adora livros e gibis. Aguardo ansioso pelo dia em que poderei explicar que essa história foi inspirada nele.
C.: Metaphase é um trabalho paralelo ou você está vivendo financeiramente disso?
C.R.: Além de escrever o Metaphase, sou editor no site StashMyComics.com, em que escrevo artigos promovendo quadrinhos e atualizando catálogos. Fazer isso é ótimo, pois me possibilita estar em contato com outros profissionais da indústria. Durante o dia, trabalho também em serviços sociais ajudando pessoas desempregadas a arrumar emprego.
C.: Você fica bastante tempo com Ollie em casa?
C.R.: Durante a semana, minha mulher fica em casa com ele. Tomamos a decisão de que iríamos trabalhar assim depois da primeira cirurgia dele, quando percebemos que ele teria que fazer terapia e tratamento médico. Amy é praticamente sua enfermeira, fisioterapeuta e professora, além de desempenhar todas as tarefas de mãe. Ela é incrível! E Ollie deve começar a fazer um programa de transição para a pré-escola neste outono.
C.: Quais são as atividades preferidas dele?
C.R.: Ele gosta de ler livros e ouvir música. “Livro” foi um dos primeiros sinais que ele fez. E quando toca alguma música ele logo fica com as mãos para o alto, balançando os braços. Fora isso, ele brinca com seus brinquedos e adora quando nos juntamos a ele. Recentemente começou a gostar também de wrestling [um tipo de arte marcial]. Se eu for para o chão, com certeza ele virá me enfrentar!
Parabéns !
ResponderExcluirQue história linda de superação.