Neurologista infantil fala sobre o espectro autista e como o distúrbio pode afetar a vida escolar da criança
Um indivíduo reservado, agressivo e que não se relaciona com seus pares. É assim que muitos, ao serem questionados, caracterizariam uma criança autista. De acordo com o neurologista infantil Hélio van der Linden Júnior, muitos pontos sobre o transtorno precisam ser esclarecidos perante a sociedade, para que não haja preconceito com os portadores.
"Autismo não é sinônimo de retardo mental. Muitos pacientes com espectro autista têm inteligência e desempenho cognitivo normal, alguns até acima da média", explica o especialista, que coordenou uma mesa de discussão sobre o tema durante o 25º Congresso Brasileiro de Neurologia, que aconteceu em Goiânia no início do mês.
Em entrevista ao Escola, o neurologista conceituou o chamado espectro autista, seus sintomas, causas e tratamento. Ele falou sobre a importância da escola no diagnóstico e acompanhamento da doença, além das consequências do Autismo para a vida educacional do indivíduo.
Van der Linden argumentou sobre as chamadas escolas especiais, que em sua opinião são fundamentais em diversas situações. "Existem casos em que só essas escolas podem oferecer, de maneira adequada, a atenção especializada e recursos terapêuticos adaptados à situação daquela criança", esclarece.
Quais são os principais sintomas do Autismo e como diferenciá-lo de outros distúrbios psicológicos? Quando é possível fazer o diagnóstico?
Os sintomas do Autismo consistem numa tríade caracterizada por atraso do desenvolvimento da linguagem, problemas de socialização e interação e alterações do comportamento. Os sintomas relacionados à interação social são tendência a isolamento, dificuldade de interagir com os outros e manter a atenção em determinada atividade, ou, ao contrário, manter interesse ou foco excessivo em uma única ação que não despertaria interesse em crianças da mesma idade. As alterações comportamentais mais comuns são os movimentos alternados do corpo, chamados estereotipias, como agitar os braços ou o corpo repetidamente, correr em círculos, etc, além de outros sinais frequentes, como andar na ponta dos pés e apresentar sensibilidade auditiva exagerada. Geralmente o diagnóstico, eminentemente clínico, é realizado após os dois anos de vida, pois nesta fase os sintomas se tornam evidentes e chamam atenção dos pais. Casos sutis são diagnosticados mais tardiamente.
A síndrome de Asperger é uma espécie de Autismo? Quais suas diferenças?
A síndrome de Asperger é uma forma mais leve de Autismo, mas que também compromete as habilidades de interação social e comunicação, embora a fala seja relativamente preservada. Estes pacientes podem apresentar um comportamento rotineiro. Possivelmente existem muitos casos não diagnosticados na população. Muitos são considerados antissociais, isolados, esquisitos, solitários, mas tendem a ser produtivos em suas profissões. Especula-se que gênios das ciências e, atualmente, da informática, preencham critérios para a síndrome de Asperger.
Quais seriam as causas do Autismo? É uma doença genética?
De tudo o que se descobriu a respeito do Autismo, sabe-se que existe, de fato, uma influência genética importante. Outro fator que tem sido extensamente investigado é o ambiente. Existem estudos que apontam uma possível associação da doença ao uso de substâncias tóxicas durante a gravidez. Então, acredita-se que haja uma predisposição genética e que deve existir algum fator ambiental que favoreça o desenvolvimento do Autismo.
Em que consiste o tratamento? É medicamentoso ou de acompanhamento psicológico?
O tratamento do Autismo depende da intensidade e gravidade de cada caso. Não há receita de bolo. Os casos leves e até moderados respondem bem às terapias de intervenção comportamental. Já os mais graves, com sintomas como agressividade, agitação psicomotora e ansiedade, podem se beneficiar do uso de medicação. O tratamento medicamentoso visa controlar alguns sintomas, e não tratar o Autismo propriamente dito. Existem ainda técnicas comportamentais como o ABA, Floor Time, TEACH e várias outras.
Quais as consequências do Autismo na vida educacional da criança?
Autismo não é sinônimo de retardo mental. Muitos pacientes com espectro autista têm inteligência e desempenho cognitivo normal, alguns até acima da média. Porém, as alterações comportamentais e de socialização costumam trazer dificuldades nos primeiros anos da vida escolar, o que pode atrasar o processo de alfabetização da criança. O retardo do desenvolvimento da linguagem também é outro fator que pode atrapalhar o desempenho cognitivo. Por isso, é fundamental o acompanhamento da escola no tratamento.
Como o senhor avalia hoje a situação das instituições de ensino para receber essas crianças? Elas estão preparadas?
Felizmente a situação das escolas convencionais tem melhorado com o tempo. Existem várias instituições que recebem a criança de maneira adequada. Muitas até investem na capacitação profissional do professor, no intuito de favorecer ao máximo a estimulação dos alunos. Porém, infelizmente, ainda existem escolas que sequer aceitam a matrícula de crianças que demandam uma atenção mais individualizada.
É possível dizer que os autistas matriculados em instituições regulares de ensino hoje estão bem assistidos?
Depende da instituição, do envolvimento dos educadores, do grau de comprometimento da criança e como ela se adapta à escola. O importante é que a criança participe, que seja inserida no contexto escolar e interaja de maneira produtiva. Porém, sabemos que algumas não se adaptam ao regime escolar tradicional, seja porque apresentam sintomas graves ou porque sofrem com a discriminação e isolamento social. Nestes casos, a insistência de manutenção da criança numa instituição regular pode ser pior.
E o professor? Como deve ser a preparação dele para que esteja apto a educar esse aluno? A rede pública fornece essa adaptação?
O professor tem papel fundamental em dois aspectos. Muitas vezes é o professor que levanta a bandeira vermelha, o sinal de alerta sobre o comportamento da criança em sala de aula. Esta observação mais aguçada pode levar ao encaminhamento e diagnóstico precoce. Entretanto, na rede pública, as crianças são introduzidas aos seis anos, e a maioria já conta com diagnóstico nesta idade. Outro ponto importante é no tratamento. É um erro achar que apenas matricular a criança na escola facilita o tratamento. A instituição tem de estar engajada, ser parceira no tratamento, de preferência com treinamento e capacitação dos professores para atuar com essas crianças.
O ideal seria que um professor auxiliar ficasse responsável exclusivamente por aquela e outras crianças especiais da sala? Quais as consequências pedagógicas para a criança quando isso não acontece?
Nem sempre é necessária a presença de um professor ou assistente pedagógico para uma criança que necessita de atenção especial. Isso vai depender da capacidade do professor, da quantidade de alunos e, claro, do quadro clínico da criança. Em casos mais leves, por exemplo, é possível que a criança “se acomode” com a presença de uma pessoa exclusiva e não tenha interesse em participar da socialização e atividades em grupo.
Portanto, cada caso deve ser analisado individualmente e com acompanhamento de um profissional. Tem também a questão dos colegas de classe, que possuem um outro ritmo e, por vezes, podem se sentir irritados com o “coleguinha especial”.
É possível fazer com que a sala ande em um só ritmo? Como?
Na imensa maioria dos casos com crianças pequenas, a aceitação do coleguinha “diferente” costuma ser natural e positiva. Em crianças maiores, pode haver algumas situações de conflito e até bullyling. Quanto ao desempenho acadêmico, mais uma vez tudo vai depender da gravidade do caso.
Esses mesmos coleguinhas de sala podem aprender com a convivência com um autista? O que pode ser aproveitado pelo educador nas relações sociais em sala?
Sim, aceitar as diferenças, entender as dificuldades e até participar no processo de apoio a crianças com necessidades especiais pode ser altamente favorável ao desenvolvimento cognitivo e psicológico dos alunos de uma maneira geral.
Um portador de Autismo precisa de requisitos mínimos na sua educação, como número reduzido de alunos em sala, equipe multidisciplinar que o acompanhe e até mesmo uma grade curricular diferenciada. As escolas tradicionais nem sempre podem reproduzir isso, mas possibilitam o convívio com outras crianças.
O que o senhor acha das escolas especiais voltadas somente para crianças autistas ou com outras deficiências?
Nem sempre é necessária uma grade curricular diferenciada, o que existe são adaptações que podem ser realizadas pela escola para facilitar ou estimular de forma mais proveitosa a capacidade da criança. As escolas especiais, atualmente desestimuladas pelo nosso sistema de ensino e saúde, são muito importantes. Existem casos de várias enfermidades, não apenas Autismo, onde a introdução na rede é impossível, pois é necessária a presença contínua de outra pessoa para cuidar da criança, seja do ponto de vista comportamental ou motor. Situações como auto e heteroagressividade, agitação psicomotora, estereotipias intensas, gritos, etc., dificultam a adaptação de algumas crianças no ensino regular.
Como a internet e outras tecnologias podem auxiliar no aprendizado de uma criança autista?
De fato, crianças com espectro autista têm verdadeiro fascínio por jogos eletrônicos, computador, tablets, etc. Como muitas ficam calmas e atentas com tais ferramentas, elas podem ser expostas em demasia a tais situações, o que é arriscado. Mas é possível aproveitar esse interesse de forma positiva. Atualmente, existem softwares e jogos que incentivam a criança a interagir e gerar respostas às solicitações da atividade. Cabe aqui uma dica para os pais. Com a correria do dia a dia, o tempo de atenção para a criança fica restrito a poucos minutos e é muito comum o uso de dispositivos eletrônicos para o seu entretenimento. Gostaria de ressaltar a importância do brincar, do contato, e da relação de afeto com a criança, como forma de estímulo às suas habilidades motoras e psicossociais.
Quem é e o que fez?
Hélio van der Linden Júnior é graduado em Medicina pela Universidade Estadual de Pernambuco (UPE) e possui especialização em neurologia infantil e neurofisiologia pela Universidade de São Paulo (USP). Com trabalhos publicados sobre “Doenças Neurogenéticas”, atua como neurologista infantil no Instituto de Neurologia de Goiânia e no Centro de Reabilitação Dr. Henrique Santillo (Crer), onde também atua como neurofisiologista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário