Todo ano preparo uma carta ao professor que receberá o Ângelo. Esta carta tem o propósito de abreviar o tempo que a professora levaria para conhecê-lo e compreendê-lo. Acredito muito que ao conhecer certas particularidades da criança, o professor possa contribuir de forma mais significativa na vida dela.
Graças a Deus, todo ano esta carta muda devido aos avanços e venho compartilhar uma delas...
Querida
Professora,
Sei
que queres conhecer um pouquinho sobre mim, mas primeiramente
relatarei um pouquinho da minha história...
Meu
desenvolvimento ocorreu normal, como de qualquer outra criança até
um ano e meio (aproximadamente). Foi quando tive uma sequência de
febre e me “desconectei” deste mundo.
Digo
“desconectei” porque parei de olhar as pessoas nos olhos,
responder quando chamavam meu nome, parei de brincar e se interessar
pelas outras crianças.
Pode
parecer pouco, mas hoje somo muitas vitórias e se estou aqui, é
porque acredito imensamente que irás acrescentar na minha vida, na
minha história.
Minha
mãe não sabia o que eu tinha e passou a estudar a diversidade
humana colecionando matérias no blog
http://pratica-pedagogica.blogspot.com.br/
, há um pouco da nossa história lá também. Mas é no youtube, no
canal que criamos, que postamos vídeos contando um pouquinho da
minha trajetória. O canal é: anappacheco1.
O
fato é que percebo o mundo de forma diferente e alguns detalhes que
passam desapercebidos para a maioria das pessoas, podem me chamar
muito a atenção como: texturas, movimentos, sons.... Não se zangue
se eu passar a mão em sua roupa para sentir a textura, me distraia
com um risco no chão, pare tudo para olhar um movimento de um colega
ou chore diante de algum barulho.
O
médico disse que determinados ruídos são sentidos 100 vezes mais
alto do que para as outras pessoas, por isso, algumas vezes os sons
doem. Apresento sensibilidade auditiva.
Apresentei
problemas gástricos até os 6 anos de idade, sendo que nesta idade
um médico coletou meu sangue e enviou aos EUA para análise, que for
fim descobriram que sou alérgico a quase toda alimentação
habitual.
Como
qualquer criança posso ter momentos de descontrole emocional, mas
pelo fato de não conseguir me fazer compreendido, ou seja, não
conseguir expressar o que sinto ou me assusta, fica difícil para mim
controlar sentimentos ruins como: dor, ansiedade, medo, frustração.
Mas algumas vezes é possível sim!
Procure
perceber se há algo diferente na escola, principalmente entra e sai
de pessoas que não fazem parte da rotina escolar;
Procure
perceber se há barulhos excessivos ou diferentes, como alguma
comemoração ou reforma;
Nesses
casos, explica-me o que está acontecendo e permita que me sinta
seguro e tudo ficará bem. Embora sinta dor quando há excesso de
barulho, ao explicar-me que tipo de barulho é este, o que está
acontecendo ou porque as pessoas se agitaram, mesmo tampando meus
ouvidos ficarei bem, pois estou conseguindo aprender a conviver com
todos tipos de sons.
Fico
ansioso em aguardar algo. Explica-me de várias formas o que estou
esperando e me antecipe o que irá acontecer e eu ficarei bem.
Quando
não consigo realizar algo tenho tendência a me isolar ou querer
muito sair do ambiente.. Tenho certeza, que terás a sensibilidade
em perceber minhas capacidades e de que maneira conseguirei avançar.
Embora
eu apresente bastante destreza em manipular o tablet, tenho
dificuldade em segurar o lápis de forma correta e desenhar alguma
forma com sentido. Desenhar, ainda é um desafio a superar.
Tudo
o que eu realizar, você perceberá em meus olhos quando me
elogiares o quanto sinto-me orgulhoso de minhas próprias
conquistas. Perceberá o valor de cada traço que eu fizer e a
importância que dou a um elogio seu.
Entendo
tudo o que as pessoas falam, percebo que estou entre pessoas que se
comunicam e demonstro muito que gostaria de poder falar também. Em
cada tentativa que eu fizer, por favor, preste a atenção em mim,
dê uma pausa para que eu me encorage a concluir e principalmente
me sinta seguro para me arriscar. Por outro lado, não espere
perfeição, valorize o que eu verbalizar, pois isto é um desafio
que os médicos acreditam que não vencerei, mas estou cercado de
pessoas que acreditam muito que posso ir além do que a medicina
espera. Aliás, estar aqui entre todos, é algo que disseram que eu
não conseguiria devido a minha sensibilidade auditiva.
Existem
momentos de crises de choros irreversíveis e bem intensos. Nesses
momentos apresento questões orgânicas como dor de cabeça, ouvido,
garganta... Ofereça-me seu dedo indicador para que lhe mostre aonde
está meu mal estar. Sim, saberei conduzir o seu
dedo
até a minha dor.
Posso
ficar zangado quando durmo mal e sentir muito cansaço e nesses
momentos, além de chorar, me jogo no chão. Não fique zangada,
embora hiperativo, meu corpo às vezes cansa e é meu único modo de
comunicar.
Nunca
até hoje apresentei comportamento agressivo. Não sei agredir e nem
me defender. Porém, posso me auto-agredir se sentir imensa dor.
Quando sinto dor de cabeça ou ouvido por exemplo, posso me bater no
local para tentar te mostrar o que me incomoda. Por favor, cuide de
mim neste momento para que eu não me fira.
Minha
única forma de expressão é o som e o corpo. Não consigo regular
a entonação da minha tentativa de fala que por vezes pode ser
alto. Posso guiá-la pela mão para demonstrar o que desejo ou
demonstrar minha felicidade diante das pessoas agitando as mãos ou
pulando.
Lembre-se,
que só conseguirei demonstrar algo que me desagrada através do
choro. Seja frio, calor, fome, ansiedade, insegurança ou medo.
Apresento
hipossensibilidade tátil. Sinto necessidade de andar passando as
mãos pelas paredes e às vezes esbarrando pelas pessoas. Adoro
manipular texturas diferentes. Mas quando realizo atividades com
tinta, exijo atenção dobrada pois não me limito ao papel.
Apresento
hipossensibilidade ao movimento e não resisto em derrubar alguma
coisa só para ver o movimento de cair. Nesse caso, tenho extrema
necessidade em me mexer, não consigo ficar muito tempo sentado.
Posso parar qualquer coisa que esteja fazendo só para olhar alguém
andar, ou seja, o movimento dos pés. Amo tudo que tiver velocidade!
Não
consigo parar para assistir televisão. Não assisto nenhum desenho
até o final, mas adoro assistir corrida de carro e amo assistir
surfistas no mar.
É
impressionante todo o amor que me cerca e é neste mundo
“especial” que aprendemos a compreender o valor das pequenas coisas, que somos diferentes e únicos neste mundo. Aprendemos a respeitar às diferenças e principalmente, a amar verdadeiramente.
Com
carinho,
Ângelo