No começo dos ano 2000, quando Niterói se tornou uma espécie de versão brasileira do descolado bairro nova-iorquino do Brooklyn, Ramon Moreno, mais conhecido como De Leve, representava uma das correntes mais fortes do rap brasileiro. Despejando rimas inteligentes sob bases jazzísticas, ele era capaz de fazer versos sobre qualquer assunto, indo muito além da fórmula do discurso politicamente engajado e os relatos sobre o cotidiano da quebrada. Há cinco anos, no entanto, o diagnóstico de autismo do filho, Juan, que completa seis anos no mês que vem, tirou De Leve dos palcos e dos holofotes. Ele trocou Niterói pelo Méier, na zona norte do Rio, foi estudar pedagogia na UFF (Universidade Federal Fluminense) e trabalhou dirigindo um táxi.
“Muitas vezes, fui fazer show arrasado, cansado, tristão. Mas é isso aí, até quando aguentei consegui fazer, mas depois, chegou uma hora que ficou complicado”, afirma, sem esconder que enfrentou uma depressão forte “de não conseguir fazer as coisas, ficar meio paralisado”.
De Leve, contudo, voltou. O lançamento do clipe de Estalactite, no começo do mês, recolocou o rapper surgido no coletivo Quinto Andar no jogo. “O hip hop cresceu e ajudei a contribuir com isso aí”, constata o músico. Passando a Copa do Mundo, ele planeja soltar um EP com seis músicas.
Estalactite fala sobre o processo que deixou sua vida “de ponta cabeça”. “Com certeza ainda tenho a minha característica, a música reflete um pouco da minha fase, mas vou retratar cada música de uma maneira diferente. Não são todas as músicas que vão ter essa mesma temática, diz ele, adiantando que o segundo single do EP traz o humor que o tornou conhecido.
Ainda que a verve para disparar rimas em alta velocidade tenha se mantido, o filho tornou o rapper um cara mais sensível. “Mudou muita coisa, ser pai é você dividir um pouco do seu amor, dividir muita coisa. Você muda o seu olhar. Antes você tem um olhar mais egocêntrico, mais individual. E nesse sentido me torna um pouco mais sensível, na percepção do mundo. E algumas coisas assim que passam despercebido para muitos pessoas, passavam despercebidos por mim e agora já não passam mais”, compara. Ele diz também que só quem vive a experiência de ter um filho autista sabe como é a luta. “É meu primeiro filho, estava planejado, quero ter um filho e tudo mais. E quando essas coisas acontecem, você não imagina, né? E é muito difícil depois também”, aponta.
De Leve conta que o filho foi dignosticado com a síndrome, após os pais perceberem que a criança tinha dificuldades de estabelecer comunicação, por volta de um ano e meio de idade. Ele revela que hoje a rotina de Juan inclui terapia ABA (Análise do Comportamento Aplicada) e atividade esportiva. “Mas é tudo muito caro e, sinceramente, eu não tenho grana, é complicado. Tem ajuda das pessoas, familiares, na base da ajuda e na base do trabalho. Artista é assim, tem mês que é bom e tem mês que não tem nada”, diz.Ele também lamenta enfrentar dificuldades em oferecer uma educação adequada para o desenvolvimento do filho, que estuda em uma escola municipal do Rio de Janeiro, sem acompanhamento individual. “Na escola, eles são esforçados, mas não podem ajudar muito, não. E eles patinam, eu digo tenta assim, assim, assado, que assim funciona. E eles não conseguem. Eles não querem ouvir. Eu sei o que funciona, que é como faço. D outro jeito também já tentei muitas vezes, não são poucas tentativas”, relata, emocionado.De Leve argumenta ainda que a pressão sobre os pais de autistas é forte. “Sou só eu e minha esposa, ou sou eu, ou é ela. E não pode nem ficar doente, tem que tomar remédio e vamos embora. É complicado, mas é isso aí. É muito difícil, muito difícil”, revela. O músico, no entanto, começa a organizar a agenda para circular com sua música pelo Brasil. “Sábado (12) agora tem na Lapa (no Rio), quarta-feira (18) tem Distrito Federal. Estamos aí. Vai ficar mais um pouco arrumado isso aí daqui a pouco, por enquanto está meio bagunça, aquele esquema artístico caos mesmo”, conta.Ele diz também que a recepção ao novo trabalho tem sido animadora. “Estou voltando com a música agora, mas eu meio que tinha dado uma parada geral, eu parei de dar um rolé, de ir nas festas, de ir nos eventos de hip hop e tudo mais. Estou voltando devagar, falando com a rapaziada, na rua e tudo mais. E a rapaziada quer ouvir o De Leve, quer ver o que eu tenho para falar também”, diz.Se o hip hop, amadureceu muito nos últimos cinco anos, como defende o rapper, De Leve amadureceu ainda mais. Nunca desconfie de um pai amoroso, ele não voltou para brincadeira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário