“Marquinho! Hoje é seu aniversário, meu filho querido, sei que você não
está bem, mas saiba que sinto sua dor também, meu filho. Parabéns, nunca
vou te abandonar, estarei todos os dias, na madrugada, na noite, sempre
ao seu lado, porque é muito especial para mim. Parabéns papai te ama”.
O texto acima foi postado dia 16 de junho, segunda-feira passada,
quando Marco Aurélio completou 29 anos. O pai, Deir Ferreira de Arruda,
viu na data motivo para comemorar. Razões que a gente, de fora, se
pergunta quais são.
Deir não tem profissão. Aos 49 anos é pai 24h por dia, 7 dias por semana, em tempo
integral. Pai de um filho autista, com um grau considerado severo da
doença. Um homem com traços envelhecidos, um ar cansado, que vem nos
abrir a porta e explica a cara de sono dizendo que está de pé desde 2h
da manhã, quando Marquinho levantou.
a casa humilde, alugada e de poucos
cômodos, Marquinho passa pulando de um lado para o outro. Está tranquilo
e os pulos são no ritmo do som, no rádio do jovem está tocando Pitty,
artista que ele mais gosta. É na melodia que ele encontra uma terapia.
Se acalma, ou se agita, conforme a música dita. “O autista é assim”,
resume o pai sobre o comportamento do filho. Marquinho não fala,
enxerga, mas a gente não sabe dizer o que ele vê.
Na semana passada, as mãos tocaram o bolo de aniversário. Deir nunca
pode levar Marquinho às festas de criança sem que pudesse tirar os olhos
do menino. Ele explica que é porque em qualquer descuido, o filho
colocava a mão no bolo destruindo glacê e o que viesse de recheio.
Há muito tempo
não se festejava o aniversário de Marquinho. Deir não sabe precisar
quando foi o último dia 16 de junho passado assim. Na casa da tia, o
aniversariante recebeu os familiares, ou melhor, a família o recebeu.
Balões, refrigerantes e as velinhas. “Para mim ele sabia que a festinha
era para ele. Ele ficou bem feliz”, comenta.
Quem
soprou as velinhas foi Deir, é o pai que vê motivo e razão na chegada
de mais um ano de vida. “Ele estabilizou, venci uma etapa que é a
estabilização da saúde dele”.
Quando o Campo Grande News
conheceu Marco Aurélio, há 3 anos, o pai estava em desespero. O autista
colecionava convulsões e a família só recebia más notícias, desde a
piora no estado de saúde até o encerramento do atendimento em psiquiatria pela Santa Casa.
Só neste ano é que Deir conseguiu, pela Justiça, direito aos medicamentos e fraldas para o filho de graça, pela Casa de saúde. Até então, era tudo do bolso dele, que sem emprego, vivia apenas da renda do INSS.
Hoje,
Deir ainda carrega nos olhos o peso de quem não dorme e não come
direito, de quem pensa mais no filho e mal se lembra de si. Constatação
que ele mesmo faz em voz alta. “Tem medicamento, tem que fazer almoço.
Você esquece de você”.
O filho começa
a demonstrar agitação, talvez pelas visitas, ou pela atenção que o pai
dispensava a nós. “Vamos até aquela avenida nova? Ele adora passear,
falou de por o tênis, ele já sabe”, descrevia Deir.
Dito
e feito, ao chamar Marquinho para calçar o tênis, o menino magro, na
altura do seu 1,71m, se sentou esperando o pai colocar um pé depois do
outro. Em mãos, duas tampas que ele não desgruda. “Autista se apega a
objetos e você não pode trocar, mas são sempre tampa de garrafa ou
plástico”.
Na região do bairro Santo
Eugênio, o rapaz respira o ar da manhã, toma um sol e caminha lado ao
lado do pai. Não é cena para foto. O que Deir faz diante da lente da
câmera ele também faz quando não se tem plateia: carinho ao filho.
Nos
olhos e na voz, ele descreve o medo que tem, de quantos aniversários
ainda pode ter pela frente. “Tenho medo de dar algum problema em mim,
quem vai ficar com ele?” No soprar das velinhas e no corte do primeiro
pedaço de bolo, os desejos vem do pai, para que ele tenha mais anos de
vida junto do filho.
O que lhe falta?
Deir podia discorrer horas sobre uma lista de necessidades, mas não, se
restringe a dizer sobre o atendimento multidisciplinar ao filho.
“Aquele atendimento eu ainda não consegui. É um local que tenha
psicólogo, assistente social, fonoaudiólogo, nutricionista. Aqui em
Campo Grande só tem ONG que oferece e o Marquinho já tem 29 anos”.
A saúde
do autista está melhor, o quadro é considerado estável, por ora. “A
partir do momento em que você aceita, você enxerga as perspectivas, se
sente melhor, mais feliz, embora ainda sofra muito”, resume o pai. E que
venham muitos anos de vida junto do filho.
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