quinta-feira, 10 de julho de 2014

Conheça-me, querido professor

Todo ano preparo uma carta ao professor que receberá o Ângelo. Esta carta tem o propósito de abreviar o tempo que a professora levaria para conhecê-lo e compreendê-lo. Acredito muito que ao conhecer certas particularidades da criança, o professor possa contribuir de forma mais significativa na vida dela.
Graças a Deus, todo ano esta carta muda devido aos avanços e venho compartilhar uma delas...
Querida Professora,
Sei que queres conhecer um pouquinho sobre mim, mas primeiramente relatarei um pouquinho da minha história...
Meu desenvolvimento ocorreu normal, como de qualquer outra criança até um ano e meio (aproximadamente). Foi quando tive uma sequência de febre e me “desconectei” deste mundo.
Digo “desconectei” porque parei de olhar as pessoas nos olhos, responder quando chamavam meu nome, parei de brincar e se interessar pelas outras crianças.
Pode parecer pouco, mas hoje somo muitas vitórias e se estou aqui, é porque acredito imensamente que irás acrescentar na minha vida, na minha história.
Minha mãe não sabia o que eu tinha e passou a estudar a diversidade humana colecionando matérias no blog http://pratica-pedagogica.blogspot.com.br/ , há um pouco da nossa história lá também. Mas é no youtube, no canal que criamos, que postamos vídeos contando um pouquinho da minha trajetória. O canal é: anappacheco1.
O fato é que percebo o mundo de forma diferente e alguns detalhes que passam desapercebidos para a maioria das pessoas, podem me chamar muito a atenção como: texturas, movimentos, sons.... Não se zangue se eu passar a mão em sua roupa para sentir a textura, me distraia com um risco no chão, pare tudo para olhar um movimento de um colega ou chore diante de algum barulho.
O médico disse que determinados ruídos são sentidos 100 vezes mais alto do que para as outras pessoas, por isso, algumas vezes os sons doem. Apresento sensibilidade auditiva.
Apresentei problemas gástricos até os 6 anos de idade, sendo que nesta idade um médico coletou meu sangue e enviou aos EUA para análise, que for fim descobriram que sou alérgico a quase toda alimentação habitual. 
Como qualquer criança posso ter momentos de descontrole emocional, mas pelo fato de não conseguir me fazer compreendido, ou seja, não conseguir expressar o que sinto ou me assusta, fica difícil para mim controlar sentimentos ruins como: dor, ansiedade, medo, frustração. Mas algumas vezes é possível sim!
  • Procure perceber se há algo diferente na escola, principalmente entra e sai de pessoas que não fazem parte da rotina escolar;
  • Procure perceber se há barulhos excessivos ou diferentes, como alguma comemoração ou reforma;

Nesses casos, explica-me o que está acontecendo e permita que me sinta seguro e tudo ficará bem. Embora sinta dor quando há excesso de barulho, ao explicar-me que tipo de barulho é este, o que está acontecendo ou porque as pessoas se agitaram, mesmo tampando meus ouvidos ficarei bem, pois estou conseguindo aprender a conviver com todos tipos de sons.
  • Fico ansioso em aguardar algo. Explica-me de várias formas o que estou esperando e me antecipe o que irá acontecer e eu ficarei bem.
  • Quando não consigo realizar algo tenho tendência a me isolar ou querer muito sair do ambiente.. Tenho certeza, que terás a sensibilidade em perceber minhas capacidades e de que maneira conseguirei avançar.
  • Embora eu apresente bastante destreza em manipular o tablet, tenho dificuldade em segurar o lápis de forma correta e desenhar alguma forma com sentido. Desenhar, ainda é um desafio a superar.
  • Tudo o que eu realizar, você perceberá em meus olhos quando me elogiares o quanto sinto-me orgulhoso de minhas próprias conquistas. Perceberá o valor de cada traço que eu fizer e a importância que dou a um elogio seu.
  • Entendo tudo o que as pessoas falam, percebo que estou entre pessoas que se comunicam e demonstro muito que gostaria de poder falar também. Em cada tentativa que eu fizer, por favor, preste a atenção em mim, dê uma pausa para que eu me encorage a concluir e principalmente me sinta seguro para me arriscar. Por outro lado, não espere perfeição, valorize o que eu verbalizar, pois isto é um desafio que os médicos acreditam que não vencerei, mas estou cercado de pessoas que acreditam muito que posso ir além do que a medicina espera. Aliás, estar aqui entre todos, é algo que disseram que eu não conseguiria devido a minha sensibilidade auditiva.
  • Existem momentos de crises de choros irreversíveis e bem intensos. Nesses momentos apresento questões orgânicas como dor de cabeça, ouvido, garganta... Ofereça-me seu dedo indicador para que lhe mostre aonde está meu mal estar. Sim, saberei conduzir o seu dedo até a minha dor.
  • Posso ficar zangado quando durmo mal e sentir muito cansaço e nesses momentos, além de chorar, me jogo no chão. Não fique zangada, embora hiperativo, meu corpo às vezes cansa e é meu único modo de comunicar.
  • Nunca até hoje apresentei comportamento agressivo. Não sei agredir e nem me defender. Porém, posso me auto-agredir se sentir imensa dor. Quando sinto dor de cabeça ou ouvido por exemplo, posso me bater no local para tentar te mostrar o que me incomoda. Por favor, cuide de mim neste momento para que eu não me fira.
  • Minha única forma de expressão é o som e o corpo. Não consigo regular a entonação da minha tentativa de fala que por vezes pode ser alto. Posso guiá-la pela mão para demonstrar o que desejo ou demonstrar minha felicidade diante das pessoas agitando as mãos ou pulando. 
  • Lembre-se, que só conseguirei demonstrar algo que me desagrada através do choro. Seja frio, calor, fome, ansiedade, insegurança ou medo.
  • Apresento hipossensibilidade tátil. Sinto necessidade de andar passando as mãos pelas paredes e às vezes esbarrando pelas pessoas. Adoro manipular texturas diferentes. Mas quando realizo atividades com tinta, exijo atenção dobrada pois não me limito ao papel.
  • Apresento hipossensibilidade ao movimento e não resisto em derrubar alguma coisa só para ver o movimento de cair. Nesse caso, tenho extrema necessidade em me mexer, não consigo ficar muito tempo sentado. Posso parar qualquer coisa que esteja fazendo só para olhar alguém andar, ou seja, o movimento dos pés. Amo tudo que tiver velocidade!
  • Não consigo parar para assistir televisão. Não assisto nenhum desenho até o final, mas adoro assistir corrida de carro e amo assistir surfistas no mar.

É impressionante todo o amor que me cerca e é neste mundo “especial” que aprendemos a compreender o valor das pequenas coisas, que somos diferentes e únicos neste mundo. Aprendemos a respeitar às diferenças e principalmente, a amar verdadeiramente.
Com carinho,
Ângelo


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