segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Erros Inatos do Metabolismo


Letícia Paranhos de Almeida nasceu, há quatro anos, sem demonstrar qualquer problema. Seu desenvolvimento foi aparentemente normal até completar um ano e dois meses, quando começou a ter crises de ausência. "De repente ela parava e ficava um tempo sem qualquer reação", lembra Rita Paranhos da Silva, mãe de Letícia. O comportamento chamou a atenção da pediatra Isabel de Souza, que a encaminhou para um neurologista.

Foi quando começou a luta da família para descobrir o que acontecia com a menina. Passaram por vários médicos e tratamentos durante alguns anos, até chegar ao Laboratório de Erros Inatos do Metabolismo (Leim), do Centro de Ciências Biológicas da UFPA, onde finalmente encontrou-se um diagnóstico: Letícia tem um distúrbio do ciclo da uréia, doença que faz com que a amônia se acumule no organismo, provocando sintomas como as ausências.
As doenças metabólicas hereditárias ou Erros Inatos do Metabolismo (EIM), como o próprio nome diz, são alterações no metabolismo de origem hereditária. Existem mais de 500 tipos de distúrbios envolvendo os processos de síntese, degradação, armazenamento e transporte de moléculas no organismo. Entre eles está o distúrbio que acomete Letícia. Se forem analisadas de forma individual, sua freqüência é rara, mas no conjunto essas doenças acometem uma em cada quatro mil crianças nascidas.
Elas são classificadas de duas formas: doenças metabólicas hereditárias de moléculas pequenas, como um aminoácido; e as doenças associadas a moléculas complexas, como um lipídio. Estas últimas são as chamadas doenças de depósito. Em ambas as situações as substâncias (aminoáciodos ou lipídios) se acumulam no organismo e desencadeiam sintomas de ordem motora e/ou neurológica.
Segundo o biomédico Luiz Carlos Santana da Silva, coordenador do Leim, a fibrose cística e o hipotireoidismo congênito são as doenças metabólicas hereditárias mais freqüentes no Brasil. Por isso elas estão contempladas no Programa Nacional de Triagem Neonatal e podem ser detectadas através do teste do pezinho. A fibrose cística afeta um a cada três mil nascidos vivos e o hipotireoidismo congênito atinge um a cada dois mil. As hemoglobinopatias e a fenilcetonúria também podem ser verificadas através desse teste.
Particularidades - A fenilcetonúria é um Erro Inato do Metabolismo que leva ao acúmulo de um aminoácido essencial, a fenilalanina. O tratamento consiste em uma dieta com restrição protéica. Se o doente ingere as proteínas da carne, por exemplo, a fenilalanina se acumula, provocando sintomas como atraso do desenvolvimento neuro-psico-motor, deficiência mental e convulsões. Isso porque o organismo não consegue transformar a fenilalanina em outros compostos necessários ao organismo. No Pará, a Unidade de Referência Especializada Materno-Infantil e do Adolescente (Ure-Mia) vem tratando algumas crianças que têm a doença.
Já a fibrose cística é um erro inato do metabolismo associado à proteína de transporte. Neste caso há deficiência de uma proteína de transporte que vai provocar toda a sintomatologia do paciente.
"Nada no nosso organismo pode ser acumulado. Tudo deve ser transformado. Assim você tem a formação de tecidos, as células vão crescer, proliferar, todo o mecanismo fisiológico vai acontecer. Quando há o acúmulo de uma substância que não está sendo transformada, isso é neurotóxico para o organismo e há um desequilíbrio", explica Luiz Carlos Santana da Silva.
Os pacientes com fibrose cística apresentam sintomas como insuficiência pancreática e respiratória. Um conjunto de terapias paliativas é utilizado para melhorar sua qualidade de vida a partir do momento em que o problema é detectado. Já os pacientes com hipotireodismo congênito são tratados com reposição hormonal. Eles recebem o hormônio T-3, que está associado à produção de neurotransmissores que vão auxiliar no desenvolvimento mental.

Atendimento integra várias instituições

O Laboratório de Erros Inatos do Metabolismo da UFPA foi criado em 1986. Inicialmente foi chefiado pelo professor Lauro Cunha. Foi o segundo criado no Brasil para diagnosticar esse tipo de problema. Entre 1986 e 1998 teve uma fase de intensas atividades. Depois, passou por dificuldades e ficou parado até 2000, quando Luiz Carlos Santana da Silva retornou do doutorado e assumiu a coordenação. Desde então vários projetos do laboratório foram aprovados (CNPQ, Funtec e Proint) e vêm sendo desenvolvidos. Hoje a equipe conta com dois biomédicos, dois médicos, um farmacêutico e oito bolsistas de iniciação científica.
No laboratório é realizada uma abordagem inicial de investigação. Primeiro é feito uma triagem bioquímica na urina para encaminhar a suspeita clínica à cada categoria de erro inato do metabolismo. São testes preliminares que podem sofrer inclusive a interferência de medicamentos. Por isso existe uma ficha detalhada para cada paciente onde são anotadas as medicações utilizadas. Na entrevista com a mãe, por exemplo, precisa-se saber até mesmo como se deu o parto. Só depois desses procedimentos são feitos os testes específicos para chegar ao diagnóstico. A cada 40 pacientes com suspeita de apresentar um erro inato específico, um tem o diagnóstico definido.
Quando o laboratório não consegue fechar um diagnóstico os casos são encaminhados para o Serviço de Genética Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, centro de referência latino-americano para essas doenças. Em 2003, foram enviadas 45 amostras e só duas não tiveram isenção de custo.
A meta da equipe do Leim é tornar o laboratório um centro de referência regional na investigação de doenças metabólicas hereditárias. Para isso, vem sendo estabelecida uma rede integrada de investigação. "Os pacientes são encaminhados por instituições como Santa Casa, Hospital Bettina Ferro e Souza, Hospital Barros Barreto, Hospital Gaspar Vianna e Unidade de Referência Materno Infantil. Nós fazemos aqui os testes bioquímicos na urina pra saber se esse paciente se encaixa naquele ou em outro erro inato do metabolismo. Quando a suspeita clínica persiste, nós encaminhamos amostras clínicas para Porto Alegre. Assim, temos um diagnóstico definido", explica o coordenador.
Entre os pacientes que chegam ao laboratório a maioria se encontra na faixa etária entre 0 a 5 anos: 60% dos pacientes encaminhados se concentram aí. Outros 30% estão na faixa de 5 a 10 anos e o restante está na adolescência e na fase adulta. Um total de 400 pacientes foram atendidos desde 2000. Doze erros inatos do metabolismo foram diagnosticados nesse período.
Depois de iniciar o tratamento correto, tendo o diagnóstico da doença, Letícia passou a ter uma melhora progressiva no quadro clínico. "Sei que ela vai precisar dos medicamentos durante toda a vida, mas é um alívio ver sua melhora. O atendimento no Laboratório de Erros Inatos do Metabolismo da UFPA foi fundamental para isso. Espero que esse trabalho consiga todo o apoio necessário para continuar", observa Rita Paranhos da Silva.

2 comentários:

  1. Ótima matéria Ana Paula. Parabéns. Fiquei intimamente intrigado com tal problema. Excelente.

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  2. Gostei muito da materia.. Minha filha esta sob investigação de EIM, ela está com acidose metabólica e amônia aumentada.. Fiz um blog para que quando ela crescer possa ver tudo que enfrentou !
    http://meudiluviodeamor.blogspot.com.br/

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